Eu sempre me enrolo quando escrevo sobre lugares que não são exatamente botequins. Nunca sei por onde começar. É como, sei lá, jogar na altitude… Achei que ia ser assim quando sentei para conversar com as três sócias desse novo velho bar que mal reabriu as portas e já está dando o que falar. Mas eu estava enganado.
Não há como não se empolgar quando essas três amigas de longa data aí da foto começam a conversar sobre o sucesso do novo Al Farabi, na Rua do Mercado — que na verdade já se assumiu de vez como Alfa Bar, apelido de alhures e outrora que agora virou nome oficial.
As três são mais um exemplo de como as mulheres cada vez jogam mais pra escanteio a cultura machista que até há pouco dominava o universo dos botecos cariocas — especialmente no Centro.
Graças a elas, o bar que homenageava as letras e os alfarrábios e que funcionou por mais de 10 anos na Rua do Rosário — primeiro como sebo, depois como cervejaria artesanal e centro cultural — voltou com força total após cinco anos fechado. E agora com uma identidade muito mais popular. A ponto de atrair até botequeiros pouco letrados, como eu, e amantes do samba de raiz, como a maioria dos novos clientes da casa.
Neste novo Alfa Bar, as três moças aí da foto estão ajudando a escrever uma nova história para a Praça 15 e adjacências, com a empolgação e a competência de quem sabe o que faz. E tudo isso sem abrirem mão das suas demais facetas profissionais.
À frente do negócio desde a inauguração do Al Farabi original em 2004, a sommelier de cerveja Cândida Carneiro segue sendo também farmacêutica de profissão, além de orgulhosa componente da ala das baianas da Mangueira. A gestora cultural Evelyn Chaves, amiga de décadas da Cândida, divide a rotina do bar com a profissão de historiadora. E a produtora Mônica D’Ângelo, responsável pela programação musical da casa, segue militando também nessa nossa cada vez mais ingrata carreira de jornalista. Mas desde o fim do ano passado, quando o Alfa reabriu de frente para a Rua do Mercado, dando fundos para a orla renovada que liga a Praça 15 à Praça Mauá, as três pouco a pouco se dedicam cada dia mais ao novo bar.
Pra começar, já tem um tempo que a frente virou fundo, e o fundo virou frente. Explico: é que os eventos de samba no imenso calçadão atrás do bar assumiram de vez o DNA da casa. No último carnaval, abrigaram shows, rodas e blocos concorridos em todos os dias momescos e além. Deu tão certo que agora a programação musical é permanente, de sexta a domingo. Bambas como Moyseis Marques e Toninho Geraes têm lugar cativo por lá. A velha guarda e as baianas da Mangueira também. Aliás, uma vez por mês, a roda Enredos do meu Samba já çomeça a transformar o lugar numa nova opção além do Baródromo para os amantes dos sambas clássicos da Sapucaí.
O DNA literário dos tempos de sebo e centro cultural ainda permanece, só que mais discreto. A prateleira de livros segue lá, firme e forte no salão estreito e comprido que serve almoço caprichado de quarta a domingo. A programação semanal inclui shows de jazz às quintas-feiras e uma agenda permanente de palestras, com curadoria de Luiz Antonio Simas. Mas nos fins de semana, o escritor e professor de história famoso pelas concorridas aulas sobre as origens da cultura popular brasileira vira só o orgulhoso marido da Cândida mesmo. Pois de sexta a domingo, agora é o samba que dá as cartas no Alfa.
O movimento anda tão forte que já virou referência no circuito de rodas da cidade, e está agitando a concorrência na região da Praça 15. Outros bares das imediações, que andavam desanimados, ampliaram horário de funcionamento, estão apostando na música também, e pouco a pouco voltam a fazer da esquina da Rua do Mercado com a Ouvidor aquele formigueiro que a gente adorava frequentar quando o centro era… enfim.. o coração da segunda maior cidade do Brasil.
Até o Rio Minho, restaurante português tradicionalíssimo que funciona há mais de um século a poucos metros do Alfa, tomou coragem e reabriu o seu delicioso salão dos fundos, a Cabaça do Minho, para aproveitar o zum zum zum do vizinho cada vez mais famoso e concorrido.
Tudo graças a essas três mulheres que, apaixonadas pelo que fazem, estão revivendo um pedaço fundamental do centro e da história do Brasil.