O caro leitor sabe disso há muito: a rua Arnaldo Quintela e suas imediações em Botafogo são os bibelôs do momento na gastronomia popular carioca. Mas o leitor sabe também que, por trás do ambiente festivo e notívago da rua animada que outro dia mesmo foi eleita a oitava mais charmosa do mundo, a concorrência é feroz. Para qualquer bar ali, ser notado por essa garotada que mal tira os olhos do celular requer estratégias que vão além da boa comida, da cerveja gelada, da cachaça genuína, da seleção musical e – eventualmente – do telão no futebol.
Algumas vezes, porém, essa complexa estratégia pode ser, simplesmente, não ter plano nenhum. É o que eu sinto que acontece com o bar e restaurante Alho & Coentro (de uns tempos pra cá, simplesmente Alho) um dos mais antigos, discretos, pouco conhecidos e genuinamente botafoguenses do cada dia mais badalado bairro.
Pra começar, o Alho nunca esteve na lista dos bares que surfam na onda da Arnaldo Quintela, visitados semanalmente por influencers e vendedores de audiência. A casa – simples, sem RP nem conta bombada no Instagram – está mais para os bons e velhos botecos dos tempos em que Botafogo era só um bairro de passagem, de oficinas mecânicas, de clínicas de cirurgia plástica e de botequins desconhecidos.
Fábio e Eunice, o casal que toca o Alho há mais de 20 anos, é dessa época. Ela bancária, ele representante comercial, viviam uma relação com os bares sempre do lado de fora do balcão. Clientes apenas, apaixonados pela boemia do bairro. Mas acontece que Eunice também cozinhava muito bem. Um belo dia, calhou que o prazer e a necessidade a fizeram dividir o tempo entre o banco e as panelas. E as panelas ganharam. O Rio ganhou um botequim, e o Fábio veio junto.
Começaram vendendo empadão pela internet. Acabaram indo parar no icônico Shopping dos Sabores, também em Botafogo, onde mantiveram por mais de uma década uma badalada loja de empadas. Mas então veio a crise, a clientela minguou. E a dificuldade se tornou oportunidade. No começo de 2020, Eunice e Fábio saíram da loja no shopping para abrir um boteco só deles, na rua Rodrigo de Brito, ao lado de casa. Que beleza!
Mas aí… veio a pandemia….
Quase quebraram. Com uma casa desconhecida, numa Arnaldo Quintela que ainda não tinha virado moda. Para sobreviver investiram no delivery e, já no fim da pandemia, começaram a promover churrascos na calçada, em dias de jogo de futebol. Especialmente do Botafogo, time do coração do Fábio, que naquele ano de 2021 lutava para voltar à primeira divisão. Deu certo: do nada, o bar virou sinônimo de paixão pelo Botafogo. Foi quando eu conheci a casa. E enquanto o clube virava SAF e se reorganizava financeiramente, o boteco do Fábio e da Eunice começava a virar referência para a coroada botafoguenta da região.
Junte-se a isso a explosão da Arnaldo Quintela, e aí o Alho ficou….
Não, o Alho não ficou famoso nem super concorrido. Definitivamente, não é a vibe deles. Nem dos seus clientes. Ali, tudo é sem pressa. Até o jogo do Botafogo: só entra no telão quando a bola está prestes a rolar, para não deixar ninguém muito ansioso. Assim, até hoje, mesmo no coração do burburinho da rua famosa, o Alho é um dos bares menos conhecidos da região. O que é ótimo. Poucos e bons. Um oásis na confusão juvenil da Arnaldo Quintela.
Um ótimo lugar para se ver jogos do Botafogo – como esse aí da foto feita ontem. Mas também de outros times, sem clubismos. Dona Eunice, inclusive, é flamenguista.
E fora das quatro linhas, o Alho também é um ótimo lugar para se conhecer o tempero da Eunice, uma cozinheira de primeira com um repertório onde alho e coentro são só a porta de entrada para um universo de barrigas de porco, pernis, costelinhas, empadas, croquetes e pasteis – além de estrogonofes ótimos e baratos. Tudo farto e honesto. E um ótimo lugar também para se curtir a noite da Arnaldo Quintela, sem precisar ter 20 anos a menos.
PS: Se você é botafoguense, em dia de jogo convém vestir camisa. Por mais rota que esteja. Sempre dá sorte. Ontem deu.