Se o leitor passa desavisado, ou com pressa, não lhe parecerá nada diferente de qualquer outro botequim de esquina da Zona Norte. Já aí começa o equívoco, pois que ali não é mais esquina: é encruzilhada. E uma vez iniciado nos rituais etílico-gastronômicos do recém-inaugurado Borogun Bar, na “encruzilhada” da Barão de Cotegipe com a Mendes Tavares, em Vila Isabel, o dileto leitor vai logo perceber também que ali não é só um bar. É uma espécie de templo. Em homenagem às entidades que povoam o panteão sagrado e ditam a cosmovisão das religiões afro-brasileiras — mais especificamente o Candomblé e a Umbanda.
No Borogun, o gole de cachaça que escorregamos para o chão não é do santo. É do orixá. No Borogun, a batida de coco é também de Oxóssi, a divindade das florestas e do conhecimento. A de café com leite homenageia a nossa média tradicional e também Xangô, o senhor da justiça. Já a de Inhansã menina é uma provocação: é feita com abóbora, ingrediente proibido àqueles que são filhos da mãe dos ventos e das tempestades.
Tudo isso é só o começo de um cardápio criativo e delicioso de se navegar, que empatiza os iniciados e instiga os leigos a conhecerem um pouco mais das crenças afro-brasileiras, de forma lúdica, porém respeitosa. A preços populares, os coquetéis e drinques do Borogun manifestam também o nosso sincretismo brasileiro, como o Cerveja de São Jorge, feito à base de bourbon e chope Brahma, com uma dose extra de lúpulo, em homenagem ao guerreiro Ogum, mas usando o nome do seu sincrético no Cristianismo.
Figuras dos terreiros, como o Preto Velho e a Pombagira, também povoam a mixologia criativa da casa, criada pelo bartender e sócio Matheus Grillo, ex-Chanchada e Brewteco. Foi com a assistência dele que os outros dois sócios do Borogun – o chef de cozinha Jhersee “Big J” de Souza e sua esposa Daiana Soares – escolheram o ponto e criaram coragem para investir na nobre ideia de expressar publicamente a religião que professam na forma de um botequim dedicado à coquetelaria popular e à petiscaria brasileira. Um destaque de lamber os beiços nessa petiscaria, aliás, é o “homus de tremoços”, um mix de cogumelos salteados em pasta feita de tremoços e melaço de cana. Digna de ser elogiada com a saudação familiar que batiza o lugar: “Borogun!”
Fora do cardápio, nem precisa dizer que tudo nas paredes remete ao Candomble e à Umbanda. Mandalas representando os 12 orixás dão a volta no salão. Um belíssimo atabaque branco — não sagrado, evidentemente — está sempre à disposição dos clientes. E não raro é acionado nos finais das já concorridas rodas de samba que acontecem às terças e quintas. Nos dias mais empolgados, o instrumento vai sempre parar na esquina — quer dizer, na encruzilhada — para guiar a apoteose musical marcada nas palmas de centenas de mãos. Nessas horas, é quando o Borogun quase deixa de ser bar — para virar terreiro.