“Onde já se viu vender peixe amazônico numa birosca de frente pra linha do trem, em pleno subúrbio do Rio de Janeiro?” O casal de maranhenses Adriana Veloso, 46, e José Maria “Júnior” Soares, 47, ouviu muito essa indagação despeitada quando abriu em 2019 o Pescados na Brasa, seu restaurante paraense localizado no bairro do Riachuelo, a poucos metros dos trilhos do ramal Santa Cruz do trem da Central.
Mas depois de tudo o que passaram para chegar até ali, as desconfianças nem doeram muito. Soaram mais como um grande incentivo. Afinal, menos de um ano antes, Adriana era balconista numa farmácia no Méier. E Júnior trabalhava como restaurador em igrejas. Ambos sonhavam em ter um negócio próprio. Mas ele queria uma loja de ferragens. Ela, uma “peixaria”, termo que no Pará designa, justamente, os restaurantes especializados em peixes e frutos do mar. Aos poucos, o sonho gastronômico superou o pragmatismo das roscas e parafusos. Para garantir a renda extra e alimentar o projeto comum, ambos passavam os finais de semana vendendo peixes na brasa e petiscos paraesenses preparados numa churrasqueira portátil e num fogão de duas bocas toscamente montados no espaço de duas vagas para carro num estacionamento na Rua 24 de Maio.
Pois é, caro leitor: o hoje concorrido Pescados na Brasa, eleito melhor restaurante brasileiro pela revista Veja Rio em 2022 e considerado uma embaixada do Pará no Rio de Janeiro, começou em duas vagas de estacionamento na beira da linha do trem. Depois, ainda passou por um ombrelone na calçada, antes de finalmente realizar o sonho da casa própria num pequeno botequim na Rua Vitor Meireles.
“Nessa época, quando a gente vendia mais de R$ 3 mil num dia, voltávamos pra casa chorando de alegria”, lembra Adriana, com um quê de nostalgia desses tempos de vacas magras, mas que nunca foram tristes. “Nossa história nos orgulha, desde os tempos do Tapanã”, conta Júnior, fazendo referência ao bairro em que ambos foram criados em Belém, e onde começaram um romance que, entre vidas e vindas, já dura mais de 30 anos.
Pois o romance virou casamento, família e, agora, sociedade sólida, cada vez mais profissional, na gestão complexa de um negócio de médio porte e imenso sucesso numa rua improvável do subúrbio. Empreitada que, de birosca com churrasqueira e isopor improvisados quase no meio da rua, em menos de cinco anos virou casa de dois andares com mais de 50 mesas e público cativo e esfomeado, capaz de consumir mais de uma tonelada tambaqui, pintado e outros peixes do Norte por mês.
Para isso, a casa já tem até um depósito próprio nas imediações, com grandes freezers para guardar todo o insumo que chega ao Rio de avião, trazidos do Pará ou de Rondônia. Mas o esquema cada vez mais profissional não abre mão de caprichos artesanais que fazem toda a diferença: os peixes que vêm de Belém ainda são escolhidos a dedo pelo pai do Júnior em pessoa, no mercado Ver-o-Peso. Capricho que também se vê na cozinha comandanda pela Adriana, que trabalha receitas tradicionais paraenses com a criatividade de quem pilota panelas com maestria desde criança, misturando diferentes influências em seus bolinhos, pastéis, arrozes e caldos onde, obviamente, a mandioca, o jambu, o camarão e o caranguejo são os alicerces para um cardápio com dezenas de opções que vão muito além da maniçoba, do tucupi e do tacacá.
Toda essa dedicação extrapolou os limites da cozinha. Chamou a atenção da colônia de migrantes e dos fãs da cultura do Pará no Rio. E hoje, o Pescados na Brasa é muito mais que um restaurante de comida amazônica. É de fato uma embaixada do Pará na cidade – título corroborado até pelos outros restaurantes do gênero. Símbolo maior disso é a festa do Círio de Nazaré, em outubro, que atrai grande parte dos expatriados paraenses para um final de semana inteiro de carimbó no meio da rua. E na real: nem precisa esperar outubro chegar para curtir o gostinho dessa festa. Todo segundo domingo do mês, o bar invade a rua para um dia inteiro de danças e apresentações. Dá quase para dizer que, no Pescados na Brasa da Adriana e do Júnior, Círio tem é todo mês.